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...@@ -556,3 +556,116 @@ Sujeito (220): ...@@ -556,3 +556,116 @@ Sujeito (220):
possibilidade de comunicar-se com outrem. possibilidade de comunicar-se com outrem.
-- 229 -- 229
### Estratégia e inteligência
Veremos cada vez melhor que as noções de arte, estratégia, inteligência,
bricolagem (estratégia organizadora de um novo objeto por conversão de antigos
objetos ou elementos da sua finalidade ou função) são intercomunicantes.
[...]
Quando programa tende a comandar, diminuir, suprimir as estratégias, a
obediência mecânica e míope torna-se modelo de comportamento. À escala humana,
a estratégia necessita de lucidez na elaboração e na conduta, jogo de
iniciativas e de responsabilidades, pleno emprego das competências individuais,
isto é, pleno emprego das qualidades do sujeito. Eis por que, entre
parênteses, o Método aqui procurado nunca será um programa, isto é, uma receita
preestabelecida, mas um convite e uma incitação à estratégia do pensamento.
-- 257
### Liberdade
* Definição, 258.
* Suicídio, 259.
### Sociedades: entidades de terceiro tipo
Não existe fronteira bem nítida entre as associações mais ou menos frouxas e as
sociedades rudimentares. Mas o que importa aqui é definir um fenômeno não na
sua fronteira incerta, mas na sua emergência própria. O fenômeno social emerge
quando as interações entre os indivíduos do segundo tipo produzem um todo
não-redutível aos indivíduos e que retroage sobre ele, isto é, quando se
constitui um sistema. Existe, portanto, sociedade quando as interações
comunicadoras/associativas constituem um todo organizado/organizador, que é
precisamente a sociedade, a qual, como toda a entidade de natureza sistêmica, é
dotada de qualidades emergentes e, com as suas qualidades, retroage enquanto
todo sobre os indivíduos, transformando-os em membros desta sociedade.
-- 264
O sistema social não é apenas um sistema: é uma organização que organiza
retroativamente a produção e a reprodução das interações que a produzem,
assegura a sua homeostasia através do turnover dos indivíduos que morrem e
nascem e, assim, continua a ser um ser-máquina autoprodutor e auto-organizador.
-- 265
### Totalitarismo
Um novo e enorme poder de Estado tende a concentrar-se ao longo do século XX.
O Estado torna-se cada vez mais Estado-providência e Estado assistencial
(Welfare state). Num sentido, dedica-se cada vez mais à proteção e ao
bem-estar dos indivíduos, mas, ao mesmo tempo, estende as suas competências a
todos os domínios das vidas individuais, doravante encerradas numa rede
polimórfica, simultaneamente casulo (protetor mas eventualmente infantilizante)
e armadilha. Assim, desenvolve-se um Estado, de certo não totalitário, mas
totalizante, isto é, englobando todas as dimensões da existência humana.
Os notáveis desenvolvimentos informáticos, de que hoje se discutem as
ambivalências (Nora, Minc, 1978), deixam entrever espantosas possibilidades de
desconcentração comunicacionais e de que beneficiariam os indivíduos. Mas, ao
mesmo tempo, a informática dá a um aparelho de Estado central a possibilidade
de agrupar e tratar todas as informações acerca de um indivíduo de modo muito
mais ramificado e preciso que o controle neurocerebral sobre as células dos
nossos organismos. A partir daí, um código policial/tecnológico (munido de
dispositivos de detecção e de escuta em todos os terrenos) pode doravante
exercer-se sobre o desvio, anomalia, originalidade. A isto é necessário
acrescentar já as futuras ações bioquímicas sobre o espírito ----- cérebro
\____________/
humano, que permitirão estabelecer uma normalização generalizada de todo o
desvio. Doravante, o Estado encontra-se dotado de poderes que, virtualmente,
excedem todos os poderes de controle e de intervenção jamais concentrados.
Aqui mesmo, temos de inscrever o processo aparentemente marginal,
sociologicamente menor, que já constatei (Método I): o conhecimento científico
produz-se cada vez menos para ser pensado e meditado por espíritos humanos, mas
cada vez mais acumulado para a computação dos seus computadores, isto é, para a
utilização das entidades superindividuais, em primeiro lugar a entidade
supercompetente e onipresente: o Estado. Ao mesmo tempo e correlativamente,
essa ciência cega-nos: o resto do nosso mundo, da nossa sociedade, do nosso
destino é despedaçado por um conhecimento científico que, atualmente, ainda é
incapaz de pensar o indivíduo, incapaz de conceber a noção de sujeito, incapaz
de pensar a natureza da sociedade, incapaz de elaborar um pensamento que não
seja unicamente matematizado, formalizado, simplificador, mas, ao contrário,
muito capaz de fornecer aos poderes novas técnicas de controle, de manipulação,
de opressão, de terror, de destruição.
Ao aproximarmo-nos, pois, do momento em que podemos considerar que todos estes
processos conjuntos poderiam permitir ao ser do terceiro tipo realizar-se em
onipotência, não só sujeitando-nos e manipulando-nos, mas também
infantilizando-nos, irresponsabilizando-nos e despossuindo-nos da aspiração ao
conhecimento e do direito ao juízo.
Tal hipótese não é brincadeira intelectual, pois o Estado dedicado a essa
realização surgiu no século XX: o Estado totalitário. Instala-se, sob diversas
variantes, em todos os continentes, em todas as civilizações, em todas as
sociedades, sob o impulso, o controle, a apropriação de um aparelho soberano: o
partido detentor de todas as competências, possuidor de verdade sobre o homem,
a história, a natureza.
A partir daí, bastaria que este Estado totalitário concentrasse e utilizasse de
modo sistemático todas as formas de dominação/controle, não só burocráticas,
policiais, militares, mitológicas, políticas, mas também científicas, técnicas,
informáticas, bioquímicas, para que se pudesse operar uma sujeição das classes,
grupos, indivíduos, já não apenas generalizada mas irreversível; regressões dos
direitos individuais já não são apenas generalizadas mas irreversíveis.
Podemos, certamente, esperar que nossos totalitarismos contemporâneos sejam os
monstros provisórios nascidos das agonias e gestações deste século. Mas podemos
recear também que estes monstros se tornem duradouros na e pela
sujeição/controle estrutural dos indivíduos do segundo tipo e, por isso,
constituam os artesãos de um desenvolvimento decisivo do ser do terceiro tipo.
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