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preguica.mdwn 9.08 KiB
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    [[!meta title="O direito à preguiça"]]
    
    ## Temas
    
    * Redução da jornada de trabalho.
    * Automatização da produção.
    * Ambiguidade interessante que inverte e brinca com a ideologia do trabalho,
      onde um proletariado com fixação pelo sofrimento e viciado por atividades
      extenuantes que força a burguesia supercomsumir a empregar-lhe na indústria.
    
    ## Trechos
    
        Uma boa operária só faz com o fuso cinco malhas por minuto, alguns teares
        circulares para tricotar fazem trinta mil no mesmo tempo. Cada minuto à
        máquina equivale, portanto, a cem horas de trabalho da operaria; ou então
        cada minuto de trabalho da máquina dá à operária dez dias de repouso.
        Aquilo que se passa com a indústria de malhas é mais ou menos verdade
        para todas as indústrias renovadas pela mecânica moderna. Mas que vemos
        nós? A medida que a máquina se aperfeiçoa e despacha o trabalho do
        homem com uma rapidez e uma precisão incessantemente crescentes, o
        operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra de
        ardor, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e
        mortal!
    
        -- 12-13
    
        Uma vez acocorada na preguiça absoluta e desmoralizada pelo prazer
        forçado, a burguesia, apesar das dificuldades que teve nisso, adaptou-se ao
        seu novo estilo de vida. Encarou com horror qualquer alteração. A visão das
        miseráveis condições de existência aceites com resignação pela classe
        operária e a da degradação orgânica gerada pela paixão depravada pelo
        trabalho aumentava ainda mais a sua repulsa por qualquer imposição de
        trabalho e por qualquer restrição de prazeres.
        
        Foi precisamente então que, sem ter em conta a desmoralização que a
        burguesia tinha imposto a si própria como um dever social, os proletários
        resolveram infligir o trabalho aos capitalistas. Ingénuos, tomaram a sério as
        teorias dos economistas e dos moralistas sobre o trabalho e maltrataram os
        rins para infligir a sua prática aos capitalistas. O proletariado arvorou a
        divisa: Quem não trabalha, não come; Lyon, em 1831, levantou-se pelo
        chumbo ou pelo trabalho, os federados de 1871 declararam o seu
        levantamento a revolução do trabalho.
        
        A estes ímpetos de furor bárbaro, destrutivo de todo o prazer e de toda a
        preguiça burguesas, os capitalistas só podiam responder com uma
        repressão feroz, mas sabiam que, se tinham conseguido reprimir estas
        explosões revolucionárias, não tinham afogado no sangue dos seus
        gigantescos massacres a absurda idéia do proletariado de querer infligir o
        trabalho às classes ociosas e fartas, e foi para desviar essa infelicidade que
        se rodearam de pretorianos, de polícias, de magistrados, de carcereiros
        mantidos numa improdutividade laboriosa. Já não se podem ter ilusões
        sobre o caráter dos exércitos modernos, são mantidos em permanência
        apenas para reprimir "o inimigo interno"; e assim que os fortes de Paris e de
        Lyon não foram construídos para defender a cidade contra o estrangeiro,
        mas para o esmagar no caso de revolta. E se fosse preciso um exemplo sem
        réplica, citemos o exército da Bélgica, desse país de Cocagne do
        capitalismo; à sua neutralidade é garantida pelas potências européias e, no
    
        entanto, o seu exército é um dos mais fortes em proporção da população. Os
        gloriosos campos de batalha do bravo exército belga são as planícies do
        Borinage e de Charleroi, é no sangue dos mineiros e dos operários
        desarmados que os oficiais belgas ensangüentam as suas espadas e
        ganham os seus galões. As nações européias não tem exércitos nacionais,
        mas sim exércitos mercenários, que protegem os capitalistas contra o furor
        popular que os queria condenar a dez horas de mina ou de fábrica de fiação.
        Portanto, ao apertar o cinto, a classe operária desenvolveu para além do
        normal o ventre da burguesia condenada ao superconsumo.
    
        Para ser aliviada no seu penoso trabalho, a burguesia retirou da classe
        operária uma massa de homens muito superior à que continuava dedicada à
        produção útil e condenou-a, por seu turno, à improdutividade e ao
        superconsumo. Mas este rebanho de bocas inúteis, apesar da sua
        voracidade insaciável, não basta para consumir todas as mercadorias que os
        operários, embrutecidos pelo dogma do trabalho, produzem como maníacos,
        sem os quererem consumir e sem sequer pensarem se se encontrarão
        pessoas para os consumir.
        
        Em presença desta dupla loucura dos trabalhadores, de se matarem de
        supertrabalho e de vegetarem na abstinência, o grande problema da
        produção capitalista já não é encontrar produtores e multiplicar as suas
        forças, mas descobrir consumidores, excitar os seus apetites e criar-lhes
        necessidades fictícias. Uma vez que os operários europeus, que tremem de
        frio e de fome, recusam usar os tecidos que eles próprios tecem, beber os
        vinhos que eles próprios colhem, os pobres fabricantes, como espertalhões,
        devem correr aos antípodas para procurar quem os usará e quem os beberá:
        são centenas de milhões e de biliões que a Europa exporta todos os anos
        para os quatro cantos do mundo, para populações que não têm nada que
        fazer com esses produtos.
    
        [...]
    
        Mas tudo é insuficiente: o burguês que se farta, a classe doméstica que
        ultrapassa a classe produtiva, as nações estrangeiras e bárbaras que se
        enchem de mercadorias européias; nada, nada pode conseguir dar vazão às
        montanhas de produtos que se amontoam maiores e mais altas do que as
        pirâmides do Egito: a produtividade dos operários europeus desafia todo o
        consumo, todo o desperdício. Os fabricantes, doidos, já não sabem que
        fazer, já não conseguem encontrar matéria-prima para satisfazer a paixão
        desordenada, depravada, que os seus operários têm pelo trabalho. Nos
        nossos distritos onde há lã, desfiam-se trapos manchados e meio podres,
        fazem-se com eles panos chamados de renascimento, que duram o mesmo
        que as promessas eleitorais;
    
        [...]
    
        Todos os nossos produtos são adulterados para facilitar o seu escoamento e
        abreviar a sua existência. A nossa época será chamada a idade da falsificação,
        tal como as primeiras épocas da humanidade receberam os nomes de idade da
        pedra, idade de bronze, pelo caráter da sua produção.
    
        -- 15-17
    
        Eis a grande experiência inglesa, eis a experiência de alguns capitalistas
        inteligentes, ela demonstra irrefutavelmente que, para reforçar a
        produtividade humana, tem de se reduzir as horas de trabalho e multiplicar
        os dias de pagamento e os feriados, e o povo francês não está convencido.
        Mas se uma miserável redução de duas horas aumentou em dez anos a
        produção inglesa em cerca de um terço (7), que ritmo vertiginoso imprimiria
        à produção francesa uma redução geral de três horas no dia de trabalho? Os
        operários não conseguem compreender que, cansando-se excessivamente,
        esgotam as suas forças antes da idade de se tornarem incapazes para
        qualquer trabalho; que absorvidos, embrutecidos por um único vício, já não
        são homens, mas sim restos de homens; que matam neles todas as belas
        faculdades para só deixarem de pé, e luxuriante, a loucura furiosa do
        trabalho.
    
        -- 18
    
        O idiotas! é porque trabalhais demais que a ferramenta industrial se desenvolve
        lentamente.
    
        -- 19
    
        O protestantismo, que era a religião cristã adaptada às novas
        necessidades industriais e comerciais da burguesia, preocupou-se menos
        com o descanso popular; destronou no céu os santos para abolir na terra as
        suas festas. A reforma religiosa e o livre pensamento filosófico não eram
        senão pretextos que permitiram à burguesia jesuíta e voraz escamotear os
        dias de festa do popular.
    
        -- 19 (nota de rodapé)
    
        "O preconceito da escravatura dominava o espírito de Pitágoras e de
        Aristóteles", escreveu-se desdenhosamente; e no entanto Aristóteles previa
        que "se cada utensílio pudesse executar sem intimação, ou então por si só, a
        sua função própria, tal como as obras-primas de Dédalo se moviam por si
        mesmas ou tal como os tripés de Vulcano que se punham espontaneamente
        ao seu trabalho sagrado; se, por exemplo, as lançadeiras dos tecelões
        tecessem por si próprias, o chefe de oficina já não teria necessidade de
        ajudantes, nem o senhor de escravos".
        
        O sonho de Aristóteles é a nossa realidade. As nossas máquinas a vapor,
        com membros de aço, infatigáveis, de maravilhosa e inesgotável
        fecundidade, realizam por si próprias docilmente o seu trabalho sagrado; e,
        no entanto, o gênio dos grandes filósofos do capitalismo continua a ser
        dominado pelo preconceito do salariado, a pior das escravaturas. Ainda não
        compreendem que a máquina é o redentor da humanidade, o Deus que
        resgatará o homem das sórdidas artes e do trabalho assalariado, o Deus que
        lhe dará tempos livres e a liberdade.
    
        -- 26